
Dra. Laís Bertoche
médica psiquiatra e homeopata
terapia familiar - constelação transgeracional
Integração entre autoconhecimento e espiritualidade

DIONISO E A ORIGEM
DO CARNAVAL
Tempo de festa, fartura e alegria.
JAN/2019
Terminava o inverno e os primeiros dias da primavera já se anunciavam. A temperatura baixa possibilitava que se guardasse a caça para os dias de escassez. Agora a natureza novamente sorria, celebrando a vida. Tempo de preparar a terra para a nova semeadura. Tempo de festa, de atrair as bênçãos dos deuses para um novo ano de fertilidade, fartura e alegria.
Celebrando a primavera
As antigas sociedades agrícolas, como a Grega, cuja economia se baseava no cultivo dos vinhedos, das oliveiras e trigais, e na produção do vinho e do azeite, percebiam com clareza os ciclos de nascimento, vida, morte e renascimento, bem como a presença dos deuses, que inundavam de magia, bênçãos e tribulações seus dias.
Os mais importantes deuses eram celebrados e reverenciados em cerimonias próprias, muitas delas atualizadas nos dias de hoje como o Natal (as Saturninas) e o Carnaval (os Bacanais).
Uma vez ao ano realizava-se ritos religiosos especiais ao deus Dioniso. Compassivo em relação à humanidade, ensinou-nos a cultivar a terra e a produzir o vinho, a cantar e dançar, mantendo a paz e libertando-nos de tempos em tempos da vida dura e regrada necessária ao labor de cada dia. É cultuado como o deus dos ciclos vitais, das festas, do vinho, da insanidade, do teatro, dos ritos religiosos e do êxtase que funde o iniciado à deidade.
Quem era Dioniso
Zeus, pai de Dioniso, engravida a princesa tebana Sêmele, mortal, despertando com isso a ira de Hera, que cria um estratagema para matar a mãe e o filho. Disfarçada de sua ama, induz Sêmele a exigir de Zeus que se apresentasse diante dela em toda sua glória, o que acaba por incendiar o palácio e matar Sêmele. Zeus toma o bebê prematuro, o guarda em sua coxa, cozendo-a e mantendo-o aí até completar o tempo de nascer e dar à luz a Dioniso.
A criança foi dada a irmã de Sêmele e seu marido para ser criada. Quando Hera soube do paradeiro de Dioniso, fez o casal enlouquecer, levando-os a matarem seus filhos e a si.
Zeus então transformou o pequeno deus num menino, entregando-os para as ninfas que viviam na Ásia.
Quando adulto, as incessantes perseguições de Hera acabaram por induzir Dioniso à loucura, levando-o a vagar sem rumo pelo mundo. Foi curado pela deusa-mãe Cibele, deusa dos mortos, da fertilidade, da natureza e da agricultura, que instruiu Dioniso nos seus ritos religiosos e no cultivo das uvas e fabricação do vinho.
Quando atacado durante suas viagens, Dioniso punia seus inimigos com a loucura, num frenesi que os fazia assassinar seus entes queridos.
Dos doze deuses do Olimpo, Dioniso foi o último a chegar e o único gerado por mãe mortal. Sua história faz dele uma divindade atípica, simbolizando tudo o que é caótico, perigoso, inesperado e incompreensível à razão humana, eventos que apenas podem ser atribuídos à ação imprevisível dos deuses. É o protetor dos que não pertencem à sociedade convencional. Tornou-se conhecido em Roma pelo nome de Baco.
Rituais dedicados a Dioniso
As solenidades de purificação e fertilidade dedicados a Dioniso datam de 600 a.C., e marcam o final do inverno e o início da primavera no hemisfério norte. Tinham por objetivo agradecer as colheitas anteriores e solicitar suas bênçãos à terra, visando um bom plantio e uma colheita farta.
Marcando o início da preparação do solo para a semeadura, a celebração incluía dança, música, vinho e ritos de fertilidade, em que a terra (princípio feminino) é fecundada pelo céu (o princípio masculino), para que os frutos sejam abundantes e alimentem a toda sociedade. Esses rituais simbolizam o renascimento da natureza.
As celebrações religiosas eram secretas e realizadas à noite, assistidas apenas pelas sacerdotisas (o princípio feminino), escolhidas entre as senhoras da melhor origem e ilibada reputação, pois as práticas consistiam num ato de união com a divindade. De cabelos soltos e corpos cobertos com peles de tigre ou pantera, fixadas à cintura com festões de hera, saiam às ruas em direção aos campos, carregando fachos, gritando e dançando, inebriadas de vinho e devoção.
Com o tempo, foram admitidos homens da mais alta sociedade – o princípio masculino – que em transe delirante, contorciam-se fanaticamente e profetizavam, sob as bênçãos de Dioniso. Importante lembrar que os mistérios não eram considerados orgias imorais, mas um ato de comunhão com a divindade, e que seus participantes tinham o dever de guardar segredo sobre o que acontecia durante as celebrações.
Depois da folia que, como o nosso Carnaval durava três dias, seguia-se o plantio e a Quaresma, um longo tempo de penitências e orações, quando eram rigorosamente proibidos cantos, danças e festejos, período que se encerrava com a Páscoa, época das primeiras colheitas do ano.
A repressão romana
Conta-se que o número de iniciados era tão grande que o governo romano sentiu-se ameaçado. Em 186 a.C., por conta dos escândalos e desordens que provocavam, um decreto do Senado romano proibiu e reprimiu os bacanais com grande rigor. Mas os ritos ao deus persistiram clandestinamente, até que foram incorporados pelo cristianismo e celebrados anualmente no dia 16 de março, sob o nome Liberalia.
Evolução da consciência
Nascemos no mundo físico como bebês, simples e ignorantes. Pouco entendemos do mundo que nos cerca. Iniciamos nossa jornada evolutiva com poucos recursos físicos, mas dotados de inteligência para solucionar problemas.
Os pensamentos se desenvolvem a partir de informações externas que nos chegam através dos órgãos dos sentidos. Apenas as impressões sensoriais fortes e intensas são capazes de deixar marcas na mente pouco desenvolvida, e acima de tudo, para nascer na Terra, temos que gostar de estar aqui.
Depois passamos a desenvolver valores, como o amor familiar, o justo valor das coisas e das causas, a verdade e a honestidade. Aprendemos que nossos desejos não devem ser sempre satisfeitos, e que para tudo tem hora e lugar. A máxima “não fazer ao outro o que não quer que lhe façam”, começa a fazer sentido para nós.
Há um filme sul-coreano muito delicado que fala, com muita propriedade, das fases do desenvolvimento da consciência: “Primavera, Verão, Outono, Inverno... Primavera” (2003) – sob direção de Kim Ki-duk.
Com o desenvolvimento da consciência, descobrimos que precisamos respeitar o outro e que o amor é mais do que um simples desejo sexual. Aprendemos a usar nosso livre arbítrio e a cuidar das pessoas que estão a nossa volta, direcionando nosso desejo para objetivos mais nobres. Percebemos que podemos tudo, mas nem tudo nos convém.